segunda-feira, 18 de agosto de 2008

CRÔNICA

A Crônica

CARACTERÍSTICAS



A crônica é o único gênero literário produzido essencialmente para ser vinculado na imprensa, seja nas páginas de uma revista, seja nas de um jornal. Quer dizer, ela é feita com uma finalidade utilitária e pré-determinada: agradar aos leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização, criando-se assim, no transcurso dos dias ou das semanas, uma familiaridade entre o escritor e aqueles que o lêem.

Em regra geral, a crônica é um comentário leve e breve sobre algum fato do cotidiano. Algo para ser lido enquanto se toma o café da manhã, na feliz expressão de Fernando Sabino. O comentário pode ser poético ou irônico mas o seu motivo, na maioria dos casos, é o fato miúdo: a notícia em quem ninguém prestou atenção, o acontecimento insignificante, a cena corriqueira. Nessas trivialidades, o cronista surpreende a beleza, a comicidade, os aspectos singulares. O tom, como acentua Antonio Candido é o de "uma conversa aparentemente banal".

Exemplos:

A minha vontade é forte, mas a minha disposição de obedecer-lhe é fraca. Carlos Drummond de Andrade

Há homens e mulheres que fazem do casamento uma oportunidade de adultério. Carlos Drummond de Andrade

O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.Carlos Drummond de Andrade

Para a virtude da discrição, ou de modo geral qualquer virtude, aparecer em seu fulgor, é necessário que faltemos à sua prática. Carlos Drummond de Andrade

Encontros

Hoje era um dia pra falar de encontros, mesmo que estes sejam rápidos e unilaterais. Na verdade, ver alguém de longe não necessariamente significa encontrar esta pessoa. Significa apenas vê-la. E nem era tão longe assim. Não quis encontrá-la porque ela não queria ser encontrada. Queria ficar ali, navegando nos meus sonhos, abrindo a cortina para me ver, brincando de pegar a mão e sair correndo pra se esconder. Queria estar naquela mesa, com aquelas outras pessoas, a poucos metros de distância. Queria sentar no banco e falar, falar, falar. Eu não ouvia nada, estava longe demais. Estava muito quente, aquela noite. Mas ventava, porque as criaturas oníricas continuavam a navegar, e eu saí para não ver.

Esfreguei os olhos e me belisquei, como se faz depois de um pesadelo, para acordar. Ou depois de um sonho bom, para ter a infeliz certeza de que ele não invadiu a realidade. Vejo umas pintas azuis na minha pele. Desde que li Raul da Ferrugem Azul na escola, falo tudo o que sinto. Não sei esconder, por medo de me enferrujar (ou por puro condiconamento). Na verdade devo usar isso como desculpa esfarrapada pra este meu medo de me arrepender do que não tentei.

E esta foi uma das poucas vezes em que não ergui um dedo. Não fiz nada e não aconteceu nada. Nada mudou. E nada ficou igual em mim também, porque depois disso foi impossível dormir esta noite. Haverá outra noite, talvez nunca mais um encontro.

Tio Miga

Publicado no Recanto das Letras em 18/08/2008
Código do texto: T1134200

http://recantodasletras.uol.com.br/cronicas/1134200

Nenhum comentário: